MPF recorre de decisão que absolveu brasileiro acusado de matar namorado francês
Alexsandro Nascimento da Silva comemora, abraçado com defensora, absolvição de acusação de assassinato de francês em Portugal Cedida O Ministério Públic...
Alexsandro Nascimento da Silva comemora, abraçado com defensora, absolvição de acusação de assassinato de francês em Portugal Cedida O Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte informou nesta sexta-feira (19) que recorreu da decisão que absolveu o brasileiro Alexsandro Nascimento da Silva, de 28 anos, acusado de matar o namorado, o francês Serge Albert Pierre Yves Claude, de 56 anos, na cidade de Lisboa, em Portugal, em 2019. ➡️ O julgamento ocorreu em Natal e durou três dias, terminando na sexta-feira passada (12), com a abolsição do réu de todas as acusações pelo júri. Alexsandro é potiguar e voltou ao Rio Grande do Norte após a morte do namorado. 📳 Clique aqui para seguir o canal do g1 RN no WhatsApp O brasileiro era acusado dos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e furto qualificado, que poderiam resultar em até 41 anos de prisão, caso fosse condenado O caso chegou à justiça brasileira após o Ministério Público português solicitar cooperação jurídica internacional às autoridades brasileiras. O MPF informou em nota que recorreu da decisão "por entender que a decisão dos jurados foi proferida de forma manifestamente contrária à prova dos autos, pois o réu foi responsável pelo homicídio, ocultação de cadáver e furto dos bens pertencentes à vítima". "Portanto, será demonstrado perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região que a decisão deve ser anulada, levando o réu a novo julgamento perante o Tribunal do Júri", citou a nota. A defesa do réu informou que apresentará contrarrazões, uma resposta ao recurso, na qual alega que pela primeira vez "terá tempo e espaço suficientes para demonstrar de forma cabal que as provas existentes no processo indicam a impossibilidade de o acusado estar no local do crime no lapso temporal estimado pela acusação como da morte, como bem reconheceram os jurados ao absolver o réu". ⬇️ Veja, abaixo, reportagem sobre o início do júri, em Natal: Natalense acusado de matar companheiro em Portugal vai à júri popular O MPF apontou ainda na nota emitida que que o Conselho de Sentença do Tribunal de Júri, que absolveu o acusado, é formado por sete cidadãos comuns sorteados para atuarem como jurados. "No Júri Popular brasileiro, a decisão dos jurados é baseada na íntima convicção, não necessitando de fundamentação", citou. A nota foi assinada pelos procuradores da República Alexandre Schneider e Fernando Rocha. A defesa do acusado respondeu que a decisão do Conselho de Sentença encontra "expresso amparo probatório nos autos, conforme reconhecido na própria sentença proferida. "Não se trata, portanto, de decisão arbitrária, dissociada das provas ou fundada em mera conjectura, mas de veredicto compatível com o conjunto probatório produzido ao longo da instrução criminal", citou. A defesa citou na nota que os jurados decidem com base na íntima convicção a partir das provas submetidas ao contraditório em plenário. "E, no caso concreto, as provas revelaram dúvidas relevantes e insuperáveis quanto à autoria e à dinâmica dos fatos, o que impõe, como consequência jurídica, a absolvição", completou. MPF rebate atuação a partir de 'lógica racista e xenofóbica' Durante o julgamento, a defesa do acusado sustentou que Alexsandro foi vítima de xenofobia e racismo, além de indicar que houve falhas graves na investigação conduzida em Portugal. Segundo a defesa, a acusação não tinha prova direta da autoria do crime, e o GPS do celular da vítima teria indicado que ele estava em outro local na hora do assassinato (veja detalhes mais abaixo). Em nota, o MPF citou que autou com base em provas colhidas pela polícia portuguesa e que "jamais encamparia qualquer persecução criminal se o acervo probatório não oferecesse elementos idôneos com relação à autoria delitiva". Além disso, o MPF disse na nota que "qualquer alegação de que a instituição pautou sua atuação a partir de uma lógica racista e xenofóbica deve ser veementemente rechaçada". No documento, o MPF defendeu ainda que é papel legítimo da defesa questionar a suficiência de provas em um processo criminal ou apontar eventuais falhas que entender presentes na investigação. No entanto, isso deve ser feito, segundo o órgão, "sem por em xeque a idoneidade e a seriedade do trabalho desempenhado pelo MPF através de seus membros, especialmente quando tais alegações/acusações, de extrema gravidade, envolvem questões relevantes e que, inclusive, integram diretamente o escopo de atuação da instituição". O MPF apontou ainda que informações como a de que os dados do GPS do celular do acusado indicava que ele não estava na casa da vítima no momento da morte e de que a polícia portuguesa intencionalmente ignorou outros elementos de prova não eram condizentes com as provas angariadas durante a investigação. Defesa diz que outras linhas de investigação foram ignoradas Em relação ao racismo e à xenofobia, a defesa do réu citou que esses fatos foram suscitados em relação à condução do inquérito pela polícia portuguesa, que, segundo a defesa, deixou de aprofundar outras linhas de investigação. A defesa citou que a polícia portuguesa deixou de intimar ou ouvir outros porteiros e colaboradores, ver as imagens de segurança do prédio e arredores e também ignorou "as últimas mensagens enviadas pela vítima à testemunha da acusação, que apontava que um terceiro estaria em sua residência, o qual sequer foi procurado pela polícia portuguesa". "Destaca-se, ainda, que nesta quinta-feira (18), ao julgar a ADPF 973, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a existência do racismo estrutural no país, de modo que, ao apontar a influência dessa estrutura no caso julgado, não há qualquer acusação individual aos membros atuantes no processo, que buscaram o exercício de sua nobre função constitucional, a qual em muitos pontos converge com a atuação institucional da Defensoria Pública", citou a defesa, em nota. Quanto ao GPS do celular do acusado, foi alegado em plenário, segundo a defesa, com base nas provas existentes no processo, que o documento da quebra de sigilo telefônico do acusado continha a localização de cada vez que seu celular conectava à internet móvel ou realizava alguma ligação. "Considerando que a perícia indica que o roteador da casa da vítima deixou de funcionar diversos dias antes do cometimento do crime, tal documento consegue demonstrar de forma bastante específica que a última vez que o acusado esteve na casa da vítima, esta ainda se encontrava viva", relatou a defesa. "A imprensa, todavia, simplificou tal informação com a expressão “GPS do celular”, não havendo influência da defesa no modo que os fatos foram noticiados". Defesa apontou xenofobia e falhas na investigação Durante o julgamento, a defesa realizada pelo advogado dativo Rodrigo Galvão e pelos defensores públicos federais Eduardo Oiveira e Fernanda Evlaine sustentou que Alexsandro foi vítima de xenofobia e racismo, além de falhas graves na investigação conduzida em Portugal. Fernanda Evlaine afirmou que a polícia portuguesa adotou uma linha única de investigação e descartou outros elementos relevantes durante as apurações policiais. “Ele foi vítima de uma xenofobia, de um racismo. Um homem brasileiro, negro, pobre, que acabou se tornando o elo mais fraco da relação. A polícia fechou nele como suspeito e ignorou outras linhas de investigação”, disse a defensora. Alexsandro Nascimento da Silva ao lado de equipe de defesa que conseguiu absolvição dele Cedida Segundo a defesa, a acusação não tinha prova direta da autoria do crime. Dados de GPS do celular do acusado indicariam que ele não estava na casa da vítima no momento estimado da morte e outros elementos que não apontavam para Alexsandro teriam sido ignorados. “Houve o que chamamos de ‘visão de túnel’, quando a polícia foca em um único suspeito e descarta tudo que não leva a ele”, explicou Fernanda Evlaine. A defensora também destacou que o relógio Rolex citado na denúncia teria sido presente dado pela vítima ao então companheiro e vendido para custear a passagem de volta ao Brasil, quando a mãe de Alexsandro enfrentava um tratamento contra o câncer. Réu diz que sofreu preconceito Em entrevista ao g1, Alexsandro afirmou que viveu anos de sofrimento por ser acusado de um crime que não cometeu. Ele contou que trabalhava desde os 13 anos de idade e tinha ido para Portugal para tentar melhores condições de vida para a família, especialmente para a sua mãe, que já tinha diagnóstico de câncer de pulmão. Na Europa, onde trabalhou como auxiliar de cozinha e de entregas, ele conheceu Serge Albert, com quem teve um relacionamento rápido. "Foi um relacionamento de poucos meses. Mas mesmo depois, continuamos amigos. Por sermos estrangeiros, tínhamos um ao outro para conversar", afirmou. Segundo Alexsandro, o francês gostava de presenteá-lo, algumas vezes com presentes caros. Ele afirma que se arrepende de ter recebido alguns desses presentes, que o colocaram como suspeito do crime. "Hoje me arrependo de ter aceitado, porque passei tudo isso por ter aceitado um presente muito caro, sabe? Ele era muito muito apaixonado por mim, querendo me agradar. Pensam que eu o queria por interesse, mas não", diz. Menos de um ano após chegar a Portugal, Alexsandro conta que deixou o país e voltou ao Brasil para acompanhar sua mãe, que havia recebido o diagnóstico de agravamento da doença, com metástase. Ele só soube da morte do ex-namorado já no Brasil, quando a polícia portuguesa o procusou no imóvel que dividia com outras pessoas na Europa. O jovem conta que sofreu preconceito no país europeu, por ser brasileiro, e acredita que essa foi uma das motivações de ter sido apontado como autor do crime. “A gente é muito mal visto lá. Chamam brasileiro de enganador, de bandido. Teve lugar que eu evitava até falar que era brasileiro”, disse. “Meu pai ficou sem comer, emagreceu muito. Ver minha foto na TV sendo chamado de assassino doeu demais”, lembrou. A mãe dele morreu em 2020. Atualmente, Alexsandro trabalha como auxiliar de cozinha em um restaurante na ilha de Fernando de Noronha e pretende reconstruir a vida sem o peso da acusação. Vídeos mais assistidos do g1 RN