Mural feito por alunos e mestres abridores de letras celebra a cultura ribeirinha em escola pública de Belém
Estudantes da Escola Jarbas Passarinho e mestres ribeirinhos em frente ao mural "Amazônia" ILQF A paisagem e as cores da Amazônia ribeirinha agora têm um esp...
Estudantes da Escola Jarbas Passarinho e mestres ribeirinhos em frente ao mural "Amazônia" ILQF A paisagem e as cores da Amazônia ribeirinha agora têm um espaço especial na Escola Estadual Jarbas Passarinho, no bairro do Marco, em Belém. Nesta sexta-feira (19), a escola recebeu a entrega de um mural pintado por estudantes ao lado de mestres abridores de letras, em uma oficina que levou para dentro do ambiente escolar a Letra Decorativa Amazônica — a escrita pintada à mão que identifica embarcações e atravessa gerações nos rios da região. O mural foi produzido na etapa final da oficina, na quarta-feira (18), após dias de trabalho que incluíram medição do muro, criação de propostas de layout, votação coletiva do desenho e divisão de tarefas para a pintura. A ação foi realizada pelo Instituto Letras que Flutuam e envolveu estudantes do ensino fundamental II e do ensino médio, que acompanharam o processo completo, do esboço à cor final. “A gente tem um público de adolescentes e jovens que se interessou muito por participar. Quando a gente falou que ia ter essa oficina, muitos quiseram estar junto — tanto alunos que já desenham e pintam, quanto um grupo que faz grafite e se interessa por arte urbana, e até estudantes mais ligados à leitura, que vivem na biblioteca”, conta a professora de artes visuais Simone Moura, que articulou a parceria na escola. A atividade apresentou aos alunos um ofício que faz parte do cotidiano ribeirinho e, ao mesmo tempo, costuma passar despercebido na vida urbana: o trabalho dos abridores de letras, responsáveis por pintar à mão — com cor, sombra, curva e desenho — os nomes e identidades visuais de barcos que cruzam rios, igarapés e furos da Amazônia. A tradição surgiu por volta da década de 1930 e se consolidou nos anos 1960, quando a identificação das embarcações passou a ser obrigatória, fortalecendo ainda mais o ofício como linguagem gráfica popular. Em 2025, a Letra Decorativa Amazônica completa 100 anos, consolidada como um dos patrimônios visuais mais marcantes da cultura amazônica. Alunas abrem letras durante a oficina: aprendendo um novo alfabeto, o alfebeto ribeirinho ILQF Para Simone, além do interesse imediato dos estudantes, houve um ganho de compreensão sobre o valor desse conhecimento tradicional. “A parceria com o Instituto Letras que Flutuam foi extremamente importante por possibilitar para esses jovens o acesso a um conhecimento que é patrimônio cultural ribeirinho do nosso estado. Conhecer esse saber-fazer e entender que existe um procedimento, uma construção, reforça o que a gente trabalha em sala de aula: a valorização do saber científico e do saber popular”, afirma. Ela também destaca que a experiência ajuda a lidar com um tema sensível: o uso da estética ribeirinha sem entendimento do contexto. “A gente percebe o quanto essa letra tem sido apropriada e utilizada inadequadamente. Quando o estudante aprende, ele aprende com origem e com processo.” Entre os mestres que acompanharam a execução está Odir Lima Abreu, abridor de letras com trajetória consolidada em Soure, no arquipélago do Marajó, que atua ao lado do filho Alessandro Abreu, dando continuidade a um conhecimento aprendido na prática, de geração em geração. A presença dos mestres na escola foi parte do que a oficina buscou: aproximar o aprendizado da fonte, do gesto e do modo de fazer. A pesquisadora e presidente do Instituto Letras que Flutuam, Fernanda Martins, afirma que levar essa tradição para o muro da escola é uma forma de reconhecimento e continuidade. “A letra ribeirinha é tão estruturante para a Amazônia quanto a música, a dança ou a comida. Ela expressa território, memória e identidade. Quando os estudantes aprendem esse alfabeto, eles aprendem também a olhar para a Amazônia a partir de seus próprios códigos visuais”, diz. A entrega do mural também muda a relação cotidiana com o espaço escolar. “A outra questão é a oportunidade de a escola receber um painel que muda completamente o ambiente, torna o espaço mais agradável e vira parte da construção dos próprios alunos. A escola não é algo apenas feito pelo outro. Quando os abridores de letras junto com os alunos fazem essa pintura, fica registrado algo criado com eles”, afirma Simone. “Isso oferece pertencimento: o prazer de estar nesse lugar, de levar os familiares e dizer ‘eu participei, eu ajudei a pintar esse painel’.” Com a obra concluída, o muro passa a guardar não só uma imagem, mas um encontro: entre a cidade e o rio, entre a escola e um ofício que escreve a Amazônia em cor e traço — agora, também no Marco, em Belém. VÍDEOS com as principais notícias do Pará